terça-feira, 28 de abril de 2009

Além da imaginação




Há uns dias atrás, li o artigo publicado por Brad Stone no New York Times do último dia 5 de abril intitulado ”Is this the future of the digital book?”, em que o jornalista esboça as perspectivas em relação às inovações na área editorial. Diante da crise que vem sofrendo o setor de publicação de livros, o mercado está revendo as formas de apresentação da matéria escrita.

O surgimento do livro eletrônico, hoje já comercializado em vários países no formato e-book com opções de download on-line, leva empresários e tecnólogos a se unirem para definir as novas configurações da mídia digital com o intuito de fazer do livro uma fonte de novas experiências, tornando o próprio e-book, no seu formato atual de simples meio de reprodução e divulgação de textos, algo logo obsoleto.

Assim, as novas perspectivas são de fazer com que o livro digital alie a clássica narração (ficcional ou não) a outros meios de comunicação, como vídeos ou Twitter, conectados a sistemas de leitura multifuncionais, como o iPhone, por exemplo, em que os leitores virtuais poderão interagir com a obra ou até tornar-se autores coletivos.

A combinação de textos, vídeos e redes de compartilhamento em uma única plataforma já está sendo preparada por várias empresas de tecnologia da informática, entre as quais a Vook (
www.vook.tv), cuja meta é providenciar em uma única ferramenta de distribuição soluções tecnológicas completas, com o objetivo de que a leitura se torne uma experiência mais rica e virtualmente compartilhada entre autores e leitores.

Ao eliminar de vez o caráter unidimensional dos livros no formato em que se encontram atualmente (seja livro físico, seja e-book), abrimos novas dimensões para a abordagem da narrativa (ficcional ou informativa) e da arte, em um debate que, a meu ver, vai muito além da questão prosaica, meramente redutora, de saber como driblar a perda de contato físico (prazeroso) com o objeto livro, seja tátil, visual ou olfativo (o estranho poder atrativo do cheiro do papel...).

Como declara Sara Nelson, consultora do setor editorial, entrevistada por Brad Stone: “Se você puser um vídeo dentro de um livro, ele deverá fluir de forma tão natural na história que os leitores nem percebam que estão mudando de meio de comunicação”.


Assim, não estamos mais no campo do conteúdo, mas no da forma. Deveremos mudar nossa abordagem do objeto “livro” até criarmos novas regras de utilização desse objeto de maneira que se tornem comportamentos naturais (ou seja, gestos inconscientemente executados) dentro de um fluxo informativo ou lúdico contínuo.

Mas, por outro lado, estamos diante de uma expectativa tão excitante quanto assustadora, porque nos conduz a mergulhar em um movimento irreversível de mudanças comportamentais que deverá nos levar progressivamente a relativizar ou até excluir do nosso vocabulário raciocinativo, intrinsecamente vinculado à noção de objeto, a palavra “livro”, da mesma forma que estamos progressivamente apagando o objeto “disco” de nosso cotidiano para substituí-lo por mp3 e download.

E, apesar de reconhecermos os efeitos positivos que essas mudanças estão trazendo para nós (a começar pelo fantástico crescimento da intercomunicação), não podemos deixar de sentir certa tristeza (mesclada ao medo da perda) ao desfazermo-nos aos poucos do sensório baseado na palpabilidade das coisas, o qual permanece por enquanto a matriz de construção de nossa perceptividade emotiva.

Aí surge a questão da recomposição de nossa afetividade mediante novos códigos de leitura ou novas ferramentas, em um futuro que já estamos conjugando no presente e que, por vezes, nos parece ainda distante, além de nossa imaginação. É um dos assuntos abordados pelo excelente livro O chip e o caleidoscópio – Reflexões sobre as novas mídias, obra coletiva organizada por Lucia Leão - Editora Senac SP (2005), que inclui notadamente o ensaio A interatividade e a construção do sentido no ciberespaço, de Eduardo Cardoso Braga, em que o autor declara: “A experiência do link não se resume à decodificação e construção de significativo cognitivo. Ela também é emoção, sentimento. [...] Os signos dispersos estão à espera de uma vivência e de uma nova organização construídas por um navegar que descobre e, ao descobrir, constrói o sentido”. http://www.lucialeao.pro.br/writings.htm

Um comentário:

  1. Francisco José M Couto28 de abril de 2009 às 14:01

    Ótimo esse texto sobre o futuro do e-book!
    Vem bem a calhar nesta época de mudanças tão rápidas no meio editorial...

    ResponderExcluir