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quinta-feira, 4 de junho de 2009

À procura de M. Gainsbourg

Na sua última visita ao Brasil, Charles Aznavour teria declarado a um jornal brasileiro que a chanson francesa é importante principalmente graças às letras, e não à música. A meu ver, o artista não deixa de ter razão e de ser omisso ao mesmo tempo. Há de fato grandes letristas, mas também grandes compositores de música popular francesa. Sem querer comparar com a música popular brasileira, que, a meu ver, em ambos os quesitos é inigualável, a canção francesa deixou suas pegadas na música popular internacional por meio de canções como “La mer”, “La vie en rose”, “Les feuilles mortes”, “Et maintenant” e, claro, “Je t’aime moi non plus” de Serge Gainsbourg.

Gainsbourg certamente foi o maior autor de música popular da França dos últimos 40 anos, e sua influência ultrapassou as fronteiras não somente do país, mas também da francofonia, para alcançar verdadeira dimensão planetária.

O Sesc Paulista apresenta uma exposição sobre o artista até o dia 7 de setembro, dentro das comemorações do Ano da França no Brasil, e acredito que, para quem ainda não o conhece, seja uma ótima maneira de ter uma primeira abordagem com esse artista complexo e múltiplo.

http://www.sescsp.org.br/

Gainsbourg nasceu em 1928, filho de judeus russos que migraram para a França na época da Revolução Bolchevique de 1917. Nos anos 1950, começou por se dedicar à pintura (sua grande paixão), para em seguida iniciar uma carreira de cantor crooner e pianista de cassino e de clubes noturnos. A cantora Michèle Arnaud, da qual foi músico no fim dos anos 1950, ao descobrir suas composições, incita-o a gravar os primeiros discos, bastante influenciados pelo jazz pós-guerra, e que fazem sucesso junto a um público restrito.

Entretanto, a inegável qualidade dessas canções faz com que Gainsbourg comece a compor para vários artistas da época, principalmente mulheres, entre as quais Juliette Gréco e Petula Clark. O sucesso mais amplo chega, enfim, com as canções “Comment te dire adieu”, cantada por Françoise Hardy, e “Les sucettes”, com France Gall, que são as premissas do encontro de Gainsbourg com o universo pop.

Em 1967, ele tem um romance com Brigitte Bardot, para a qual compõe algumas de suas mais famosas canções, como “Initials BB”, “Bonnie and Clyde” e “Harley Davidson”. Em 1968, ele encontra Jane Birkin, com quem ficará até 1978. Juntos eles gravam "Je t’aime moi non plus", sucesso planetário, composto primeiramente para Bardot. A atriz chegou a gravar a canção, mas se opôs ao lançamento comercial até 1986.


(Gainsbourg com Jane Birkin)

A partir desse momento, Gainsbourg alcança a fase áurea de sua carreira musical com o lançamento do disco mítico L’Histoire de Melody Nelson (1971), seguido por Vu de l’Extérieur (1973), Rock aroud the Bunker (1975) e L’Homme à la Tête de Chou (1976). Esses discos, se fizeram pouco sucesso de vendas na época, são hoje considerados obras essenciais não somente para a história da canção francesa como pela influência que têm junto a muitos artistas, entre os quais Beck, Moby, Placebo, Nick Cave ou Massive Attack, e outros.

Paralelamente, Gainsbourg se torna cada vez mais dependente do cigarro e do álcool – sofre um infarto em 1973 – e tem um comportamento altamente provocador que choca a França ‘giscardista’ do fim dos anos 1970. Essa fase da carreira do artista, que seguirá até sua morte, em 1991, tem seu auge com o lançamento do disco Aux Armes et Cœtera (1979), produzido na Jamaica com os músicos de Bob Marley e em que ele grava a Marselhesa em versão reggae, com coro de cantoras jamaicanas no refrão. O disco se torna um grande sucesso comercial, mas Gainsbourg sofre ameaças de extremistas da direita e o próprio exército francês irá até impedir a realização de um show do artista. Nesses últimos anos, Gainsbourg vai criar um alter ego, chamado Gainsbarre, que será o duplo transgressivo do artista, como Dr Jekyll e Mr Hyde, dupla infernal que, aliás, foi musicada por Gainsbourg em uma canção dos anos 1960.

Além do talento de compositor, Gainsbourg mostra toda a sua verve como letrista, com letras altamente complexas, cheias de trocadilhos, duplos sentidos e certa ironia, herdada do escritor Boris Vian, que o influenciou muito. A temática erótica está frequentemente presente nas composições desde os anos 1960 até as últimas obras, como, por exemplo, em “Lemon incest”, que compôs para sua filha Charlotte Gainsbourg em 1985. Gainsbourg compôs também inúmeras trilhas de filmes e foi diretor de quatro longas-metragens e vários clipes. Até o fim da carreira, continuou compondo para outros artistas, como Vanessa Paradis (mulher de Johnny Depp), Alain Chamfort, Alain Bashung, mas também atrizes como Catherine Deneuve e Isabelle Adjani.

Para quem quiser mais informações, existem vários sites sobre o artista, entre os quais recomendo http://gainsbarre.typepad.com/. Alguns discos (importados) podem ser encontrados no Brasil, em lojas como a Fnac, Saraiva ou Livraria Cultura, assim como o CD Monsieur Gainsbourg (em edição nacional), com releituras de canções do artista por Franz Ferdinand, Feist, Kid Loco, Portishead, entre outros. Finalmente, recomendo a leitura do livro Um punhado de gitanes de Sylvie Simmons, publicado em português pela editora Barracuda.

As informações relativas à programação do Ano da França no Brasil estão disponíveis no site do Ministério da Cultura: http://anodafrancanobrasil.cultura.gov.br/

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Aviso aos navegantes

A nave Enterprise está de vento sideral em poupa com o filme Star Trek, cujo merecido sucesso (principalmente no mercado norte-americano) ultrapassa todas as expectativas. Embora eu não seja tão apegado a computações de resultados e lucros por serem meramente dados mercantis, não posso deixar de sentir certa satisfação diante da recompensa de um trabalho que soube rejuvenescer da melhor maneira possível esta antiga franquia. Ainda mais se lembrarmos os estragos já cometidos pelos estúdios de Hollywood ao quererem levar à telona clássicos da telinha como Missão: Impossível ou As loucas aventuras de James West, entre outros.

E como uma boa notícia nunca vem sozinha, acaba de ser lançado pela Editora Aleph -
www.alephnet.com.br - o Almanaque Jornada das Estrelas, de Salvador Nogueira e Susana Alexandria, que é o primeiro livro do gênero totalmente concebido e realizado no Brasil.

Esse almanaque é rico em dados, imagens e curiosidades sobre uma das séries de televisão mais conceituadas que já existiu. Além de trazer informações detalhadas sobre as três temporadas da série original, apresenta as personagens principais, conta, por exemplo, como foram concebidos os temidos klingons e romulanos, ou ainda narra a saga da criação das famosas orelhas de Spock.

Há também um capítulo muito rico em detalhes sobre a ida da série para o cinema com informações sobre todos os filmes produzidos, inclusive o último. E não faltam também páginas consagradas às outras séries da franquia.

E para o prazer dos trekkers brasileiros, a cereja do bolo é a primeira edição na língua portuguesa das tiras satíricas do cartunista John Cook, publicadas sob o nome Sev Trek e que, por si sós, tornam a aquisição desse livro algo indispensável.

Finalmente, para consertar uma omissão na postagem que já consagrei a Star Trek neste blog
http://metreno.blogspot.com/search/label/Jornada%20nas%20estrelas , não posso deixar de citar o endereço do site dos trekkers brasucas: http://www.trekbrasilis.org/

sexta-feira, 15 de maio de 2009

The times they are a-changin’


(projeto para a mediateca de Sendai no Japão)

Dando complemento ao texto Além da imaginação que postei neste blog no último dia 28 de abril, http://metreno.blogspot.com/2009/04/alem-da-imaginacao.html, meu amigo Milton Dutra Pereira me informou da participação de Michel Melot, curador-geral das Bibliotecas junto ao Ministério da Cultura da França, no Segundo Seminário Brasileiro do Livro e da História Editorial, que aconteceu no Rio de Janeiro nesta semana. http://www.livroehistoriaeditorial.pro.br/segundoseminario/index.php/pagina-inicial

Melot, autor de livros sobre a história da ilustração, as estampas e as bibliotecas, constata que, apesar da morte cada vez mais anunciada do livro físico, que seria substituído pelo e-book, nunca houve tantos projetos arquitetônicos relativos a bibliotecas públicas. Além das medidas e dos incentivos políticos e governamentais, Melot percebe que há uma verdadeira renovação do conceito de biblioteca, com a modernização dos equipamentos e a reformulação dos meios de pesquisa, que transformam estes lugares em mediatecas, ou seja, centros culturais, altamente frequentados por quem busca informação e cultura, além do simples empréstimo de livros.

Ele cita como exemplo deste paradoxo as doações feitas por Bill Gates, por meio da Fundação Bill & Melinda Gates, que, após ter doado US$ 20 milhões à biblioteca pública de Seattle em 1998, anunciou em 2008 um programa de implantação de melhoramento do sistema de internet nas bibliotecas de outros estados, para permitir um maior acesso do público aos acervos.

Dessa forma, o e-book não anunciaria o fim do livro de papel, mas seria apenas um dos componentes da grande mudança que nos espera em relação à nossa maneira de receber, assimilar e produzir a informação escrita. Nessa mudança, as mediatecas são de fato grandes centros de comunicação da cultura como um todo, ao facilitar sua visibilidade e seu compartilhamento.

Gostaria ainda de destacar a matéria da coluna Conecte do Jornal da Globo de 14 de maio, que, ao tratar deste assunto, privilegia as novas tecnologias em termo de e-book.

http://g1.globo.com/jornaldaglobo/0,,MUL1126913-16021,00-NA+ERA+DA+TECNOLOGIA+OS+LIVROS+SAO+ELETRONICOS.html

Em todo caso, vejo que estamos diante de um processo irreversível e que nosso desafio não é nada mais (porém, nada menos também) que testar nossa capacidade de adaptação às formas novas de comunicação e, portanto, de compreensão da informação sem que haja a necessidade moldá-la em determinado formato ou suporte.


Assim, achei interessante a declaração de Nando Reis, na edição nº 32 da revista Rolling Stone, que, ao deplorar a diminuição das vendas de discos, disse: “Talvez não tenha tanta gente interessada em discos inteiros. Isto, sim, acho um empobrecimento. A construção de meu esqueleto, meu gosto, minha vida, foi através de álbuns”.


Aí, percebemos claramente o quanto nossa construção cultural (e emocional) depende muito do formato sob o qual recebemos a informação. É incontestável que Nando Reis viveu a grande época dos discos de vinil e principalmente dos álbuns conceituais. Entretanto, não podemos esquecer que o formato de disco “long play” é uma criação puramente mercadológica, resultado do desenvolvimento tecnológico decorrente da invenção de Thomas Edison.


Antigamente, as “canções” eram conhecidas do grande público graças a cantores de rua, a tocadores de realejo, que frequentemente vendiam também a partitura ou a letra. Obras conceituais cantadas ou de longa duração eram óperas e peças de música erudita em geral.

Por outro lado, sem a criação do LP, o que teria sido de obras tão marcantes quanto Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles, Dark Side of the Moon do Pink Floyd ou ainda Thriller de Michael Jackson? E como poderíamos celebrar este ano os 50 anos de Kind of Blue de Miles Davis? São perguntas essenciais porque dizem respeito à nossa construção cultural, nossa percepção emocional, nosso universo sensorial.


E já que os tempos estão mudando, nada melhor para concluir este artigo do que anunciar o lançamento do novo disco de Bob Dylan, Together Through Life. Achei o disco bem interessante, apesar da voz cada vez mais desgastada do artista. Quem estiver interessado poderá adquirir o disco em vários formatos, CD, CD DeLuxe, LP, LP duplo com CD, CD com DVD, etc. Prova de que estamos ainda longe de nos entregar inteiramente à imaterialidade das coisas!

terça-feira, 12 de maio de 2009

Somos todos taxonomistas!


A revista Bravo! publicou no fim de 2008 um número especial sobre as 100 obras essenciais da música erudita que só agora descobri e me apressei em comprar, embora eu não me considere, longe disso, especialista ou mesmo amante assíduo dessa música. Respeito e gosto da música erudita, mas devo reconhecer que não escuto com muita frequência este gênero musical, e prefiro dedicar meus lazeres “auditivos” à descoberta de obras de jazz, rock, chanson française ou ainda MPB. www.revistabravo.com.br

Então, o que me levou a comprar essa revista? Acredito que nada mais do que uma pulsão irrefreável, uma “curiosidade taxonômica” vinculada à descoberta da classificação hierárquica estabelecida por uma publicação conceituada, de importância cultural unanimemente reconhecida.

Bravo! expõe claramente a finalidade da classificação na capa da revista ao declarar que se trata do “ranking das melhores composições da história em todos os gêneros...”. Contudo, há de se notar certa relativização dessa pretensão na carta do editor, Almir de Freitas, em que ele reconhece que o resultado é “uma hierarquização de obras, compositores e intérpretes que, no conjunto dos textos, conta a história dessa arte”. Então, não se trata mais de destacar o melhor, mas o essencial, no sentido do lugar que a obra ocupa na evolução histórica da música erudita. A pesquisa da Bravo! cita as seguintes fontes:
www.bbc.co.uk/radio3/discoveringmusic e www.keepingscore.org, além de inúmeras referenciais bibliográficas.

De certa forma, sinto certo antagonismo entre a análise da essencialidade histórica, que a meu ver deve ser meramente empírica, e a análise da qualidade (‘as melhores composições’) mencionada na capa e que é subjetiva. E sendo assim, por que não ter apresentado essas obras essenciais dentro de um fluxo cronológico e não segundo uma classificação que coloca em último lugar (n.100) a Missa de Notre Dame, obra essencial da Idade Média e, de certa forma, ponto de origem da análise histórica desse gênero musical, e cujo autor, Guillaume de Machaut, “foi precursor da música renascentista e revolucionou a escrita da música sacra ocidental”, como lembra a revista?

Devo reconhecer que, apesar de minha imperícia no assunto tratado, não posso conter minhas reações, críticas, aprovações e frustrações em relação à classificação proposta, tanto no que diz respeito à metodologia escolhida como à ausência de compositores e/ou obras que, a meu ver, têm sua importância histórica. Assim, como omitir Camille Saint-Saëns – que, embora considerado conservador, influenciou compositores como Darius Milhaud (outro esquecido), que por sua vez influenciou muitos artistas de jazz – ou Henry Purcell – compositor predominantemente barroco, mas cuja obra Dido & Enéias é a primeira ópera inglesa. E questiono também (quanta audácia!) a escolha dos Dozes estudos para violão de Heitor Villa-Lobos como única obra citada deste compositor e não um dos seus magníficos Choros.

Todavia, ao reagir dessa forma, não faço outra coisa a não ser confrontar minha subjetividade com a dos autores da lista publicada pela Bravo! Aí não nos encontramos mais na questão do mérito da escolha das obras citadas pela revista ou por mim, mas entramos na questão da necessidade primeira, que é o desejo natural do ser de querer compreender, assimilar e julgar (com seu afeto) as coisas que o rodeiam pela classificação que lhes dá e, consequentemente, de fazer dessa classificação um espelho de si próprio.

Há milhares de publicações sobre esse assunto, e não pretendo, numa postagem de blog, estender-me sobre os trabalhos acadêmicos relativos às classificações que analisam desde as premissas enciclopédicas de Diderot até autores contemporâneos. Entretanto, gostaria de destacar o interessante estudo de Olga Pombo, professora auxiliar da Universidade de Lisboa, investigadora responsável pelo projeto Enciclopédia e Hipertexto, intitulado “Da classificação dos seres à classificação dos saberes”,
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/investigacao/opombo-classificacao.pdf.

Nesse estudo, Olga Pombo, ao reconhecer a “radicalidade do problema da classificação, da sua inscrição no desejo – e na necessidade primordial – de compreender e ordenar a variedade que nos rodeia”, procura, “no primeiro momento, delimitar o conceito de classificação”. No segundo momento, ela tenta definir “diferentes tipos de classificações mostrando como é possível identificar quatro grandes orientações: uma orientação ontológica (classificação dos seres), uma orientação gnosiológica (classificação das ciências), uma orientação biblioteconómica (classificação dos livros) e uma orientação informacional (classificação das informações)”. Por fim, ela considera que a “emergência de cada uma destas orientações seria correspondente a diferentes fases de desenvolvimento histórico do próprio problema da classificação”.


Recomendo também a leitura do livro A memória das coisas – Ensaios de literatura, cinema e artes plásticas de Maria Esther Maciel – Lamparina Editora (2004), em que a autora reúne ensaios nos quais discute o uso criativo dos sistemas de classificação por parte de escritores, cineastas e artistas contemporâneos, entre os quais Jorge Luis Borges, Peter Greenaway, Arthur Bispo de Rosário, George Perec e Carlos Drummond de Andrade.
http://www.letras.ufmg.br/esthermaciel/

Foi nesse livro que li a seguinte citação de Jose Luis Borges e que tomo a liberdade de reproduzir aqui, por ilustrar perfeitamente a temática do presente artigo: “Um homem se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos, povoa o espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de moradas, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu próprio rosto”.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

A deliciosa leveza do ser


Estou me deliciando com a leitura do livro de Danuza Leão Fazendo as malas (Companhia das Letras, 2008). Trata-se da narração bem-humorada de uma viagem que Danuza fez à Europa e de suas impressões ao passar por Sevilha, Lisboa, Paris e Roma. São dicas de restaurantes, hotéis, lugares charmosos e outros endereços para fazer compras que dão imediatamente vontade de fazer as malas e, com passo firme e cabeça erguida, partir à conquista do Velho Continente, brandindo o cartão de crédito e clamando “abre-te Sésamo!”.

Não se trata de um desses cansativos guias de sobrevivência de globetrotters que acham que viagem rima com mochila nas costas, tênis e bolsos furados, e carona. Nem de um guia turístico cheio de inumeráveis informações onomatopeicas de hotéis, museus e restaurantes.

A viagem que Danuza propõe é um elegante passeio pelas riquezas culturais, arquiteturais e pela culinária desses lugares. Longe de ser frívolo, esse livro é um percurso eminentemente saudável, que nos proporciona um reencontro com nossos cinco sentidos.

Aliás, há algo proustiano no périplo de Danuza, nesse retrato de certa mundanidade, porém sem pedantismo, nessa arte do savoir-vivre. E ao nos juntarmos à autora, para conhecer pela leitura os lugares que visitou, as pessoas que encontrou, as comidas que saboreou, encontramo-nos “num tempo da delicadeza”, talvez aquele mesmo dos versos da canção de Chico Buarque “Todo o sentimento”. E essa é a qualidade da autora, a de tornar a leitura do livro uma viagem em si, no país da leveza e da delicadeza, algo raro nos tempos atuais.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Além da imaginação




Há uns dias atrás, li o artigo publicado por Brad Stone no New York Times do último dia 5 de abril intitulado ”Is this the future of the digital book?”, em que o jornalista esboça as perspectivas em relação às inovações na área editorial. Diante da crise que vem sofrendo o setor de publicação de livros, o mercado está revendo as formas de apresentação da matéria escrita.

O surgimento do livro eletrônico, hoje já comercializado em vários países no formato e-book com opções de download on-line, leva empresários e tecnólogos a se unirem para definir as novas configurações da mídia digital com o intuito de fazer do livro uma fonte de novas experiências, tornando o próprio e-book, no seu formato atual de simples meio de reprodução e divulgação de textos, algo logo obsoleto.

Assim, as novas perspectivas são de fazer com que o livro digital alie a clássica narração (ficcional ou não) a outros meios de comunicação, como vídeos ou Twitter, conectados a sistemas de leitura multifuncionais, como o iPhone, por exemplo, em que os leitores virtuais poderão interagir com a obra ou até tornar-se autores coletivos.

A combinação de textos, vídeos e redes de compartilhamento em uma única plataforma já está sendo preparada por várias empresas de tecnologia da informática, entre as quais a Vook (
www.vook.tv), cuja meta é providenciar em uma única ferramenta de distribuição soluções tecnológicas completas, com o objetivo de que a leitura se torne uma experiência mais rica e virtualmente compartilhada entre autores e leitores.

Ao eliminar de vez o caráter unidimensional dos livros no formato em que se encontram atualmente (seja livro físico, seja e-book), abrimos novas dimensões para a abordagem da narrativa (ficcional ou informativa) e da arte, em um debate que, a meu ver, vai muito além da questão prosaica, meramente redutora, de saber como driblar a perda de contato físico (prazeroso) com o objeto livro, seja tátil, visual ou olfativo (o estranho poder atrativo do cheiro do papel...).

Como declara Sara Nelson, consultora do setor editorial, entrevistada por Brad Stone: “Se você puser um vídeo dentro de um livro, ele deverá fluir de forma tão natural na história que os leitores nem percebam que estão mudando de meio de comunicação”.


Assim, não estamos mais no campo do conteúdo, mas no da forma. Deveremos mudar nossa abordagem do objeto “livro” até criarmos novas regras de utilização desse objeto de maneira que se tornem comportamentos naturais (ou seja, gestos inconscientemente executados) dentro de um fluxo informativo ou lúdico contínuo.

Mas, por outro lado, estamos diante de uma expectativa tão excitante quanto assustadora, porque nos conduz a mergulhar em um movimento irreversível de mudanças comportamentais que deverá nos levar progressivamente a relativizar ou até excluir do nosso vocabulário raciocinativo, intrinsecamente vinculado à noção de objeto, a palavra “livro”, da mesma forma que estamos progressivamente apagando o objeto “disco” de nosso cotidiano para substituí-lo por mp3 e download.

E, apesar de reconhecermos os efeitos positivos que essas mudanças estão trazendo para nós (a começar pelo fantástico crescimento da intercomunicação), não podemos deixar de sentir certa tristeza (mesclada ao medo da perda) ao desfazermo-nos aos poucos do sensório baseado na palpabilidade das coisas, o qual permanece por enquanto a matriz de construção de nossa perceptividade emotiva.

Aí surge a questão da recomposição de nossa afetividade mediante novos códigos de leitura ou novas ferramentas, em um futuro que já estamos conjugando no presente e que, por vezes, nos parece ainda distante, além de nossa imaginação. É um dos assuntos abordados pelo excelente livro O chip e o caleidoscópio – Reflexões sobre as novas mídias, obra coletiva organizada por Lucia Leão - Editora Senac SP (2005), que inclui notadamente o ensaio A interatividade e a construção do sentido no ciberespaço, de Eduardo Cardoso Braga, em que o autor declara: “A experiência do link não se resume à decodificação e construção de significativo cognitivo. Ela também é emoção, sentimento. [...] Os signos dispersos estão à espera de uma vivência e de uma nova organização construídas por um navegar que descobre e, ao descobrir, constrói o sentido”. http://www.lucialeao.pro.br/writings.htm

quarta-feira, 25 de março de 2009

A divina comédia - Ignorantus, ignoranta, ignorantum!


(cena de O doente imaginário de Molière)

Ser ou não ser antenado? Eterno dilema. Estar por dentro do babado, do hype. Grande preocupação para quem busca espelhar-se em reflexos alheios, em uma vã procura pela própria identidade.

Frequentemente, deparo-me com matérias, comentários, resenhas, críticas de pessoas que se pretendem antenadas e que usam isso como se fosse sinônimo de certo estatuto. Como se o fato de ter ouvido falar, ter visto, ter lido fosse uma alavanca social, desvinculada de qualquer apreciação do valor do conteúdo. Como se o conhecimento se medisse por volume, tamanho, e não qualidade. Como se a informação fosse uma comida pronta vendida por quilo.

De fato, há de se reconhecer que os novos meios de comunicação e principalmente a internet, ao acelerar e ampliar a propagação das notícias, são ferramentas válidas e essenciais para que a informação atinja um número cada vez maior de pessoas.

Entretanto, estamos de novo falando de velocidade, tamanho, números, e não de qualidade. Os blogs (entre os quais este aqui) são outra fonte de comunicação, porém nem sempre bem utilizada seja por seus criadores ou seus seguidores.

É insuperável o fato de que, em uma época em que a pressa prima sobre a paciência e a falta de tempo vem constantemente abocanhar pedacinhos de nossa predisposição para o ócio, deparamo-nos com uma emergência informativa que nem sempre sabemos enfrentar, organizar ou assimilar.

Mas como essa emergência se tornou a pulsação que parece nos mover, nos levar adiante, acatamos a tudo e qualquer coisa para não parecermos incultos ou defasados. Há uma síndrome de pânico, um temor de parecer ou ser dedado como ignaro.

Ignorantus, ignoranta, ignorantum!, exclama Toinette em referência à hipocondria desatinada de Argan no Doente imaginário de Molière. Vemos, nessa ironia, que o pavor da ignorância não vem de hoje, sempre fez parte dos medos íntimos do homem, sempre foi motivo de desprezo, zombaria e rejeição social. Todavia, tornou-se certamente ainda mais relevante à medida que a cobrança do conhecimento veio se fortalecendo junto à aparição de novos meios de divulgação da informação, cada vez mais velozes, poderosos e eficientes.

E há realmente que louvar essas novas tecnologias e reconhecer que são até requintes cujos recursos mal sabemos utilizar. Há também que exaltar os tempos atuais no que oferecem em termos de informação, conhecimento, compartilhamento, formas diversificadas e ricas de expressão.

Mas ao mesmo tempo devemos nos redimensionar diante da imensidão informativa, nos situar, e reconhecer nosso próprio limite. Não de maneira submissa, mas de forma justa e desprendida. Ao dimensionarmos nossos limites, ao nos enxergarmos como seres que têm fim, podemos finalmente aprender a respeitar o incomensurável.

E ao respeitar o que é infinito, conseguiremos redirecionar nossa busca da informação, primando pela qualidade e pelo aprofundamento no que nos interessa ou nos dá prazer, em vez de engolir avidamente, de uma só bocada, iguarias ou dejetos, com um frenesi cego e insaciável, em nome de um suposto estatuto, de um reconhecimento social ou uma identificação tribal.

quarta-feira, 11 de março de 2009

O filho da mãe


Bernardo Carvalho acaba de publicar seu novo romance intitulado O filho da mãe (Editora Companhia das Letras) e que é também o segundo volume da coleção "Amores Expressos". Descobri Carvalho com o penúltimo romance, O sol se põe em São Paulo, do qual gostei muito. Para quem presa de boa leitura, de histórias comoventes e muito bem escritas, recomendo a descoberta deste autor.

Bernardo Carvalho nasceu em 1960, no Rio de Janeiro e é escritor, jornalista e tradutor (fez, alías, uma ótima tradução do romance Na praia de Ian McEwan).

Para quem estiver interessado, recomendo assistir a entrevista do autor no seguinte site: http://bibliotecariodebabel.com/literatura-brasileira/filho-da-mae-de-bernardo-carvalho-booktrailer/