terça-feira, 28 de julho de 2009

Salve, João!


Após seis anos sem um disco de músicas inéditas (Malabaristas do sinal vermelho data de 2003), João Bosco acaba de lançar Não vou pro céu, mas já não vivo no chão. Este disco constitui um marco na discografia do artista por registrar a retomada da parceria com Aldir Blanc após 22 anos. Outros parceiros de João Bosco participam do trabalho como seu filho Francisco Bosco, Carlos Rennó ou ainda Nei Lopes.

A outra surpresa se deve ao fato de ser um disco mais “contido”, já que várias faixas primam pelo despojamento dos arranjos em que domina o violão. Por sua vez, João Bosco parece às vezes ter suavizado seu canto, e se os scats continuam presentes em algumas faixas, há um verdadeiro propósito de simplificação da maneira de cantar que, sem dúvida, beneficia a apreensão das letras.

Independentemente dessas características, o lançamento de um disco de João Bosco é com toda a certeza um evento importante para a música brasileira e, por si só, merece toda a devida atenção.

Em 40 anos de carreira, João Bosco teceu uma verdadeira obra musical, densa e rica. Os anos 1970 revelaram a dupla Bosco/Blanc, tão magnificamente interpretada por vários artistas, entre os quais se destaca claramente Elis Regina. Os anos 1980 – apesar de alguns críticos terem torcido o nariz quando João Bosco e Aldir Blanc desfizeram a parceria e João começou a modificar e desconstruir sua forma de interpretar – foram ricos em obras-primas como Gagabirô (1984), Cabeça de nego (1986) ou ainda Bosco (1989). Os anos 1990 também foram de grande êxito musical, com ótimos trabalhos como Zona de fronteira (1991), Na onda que balança (1994) ou ainda Na esquina (2000).

João Bosco é um eterno viajante que percorre a música em toda a sua força pluridimensional, sabendo como ninguém combinar o samba, a brejeirice, o swing, o jazz, as raízes africanas e árabes. Aliás, não é à toa que Caetano Veloso, no seu disco Zii e Zie e sua proposta musical de transcender o samba, escolheu reler de forma muito interessante “Incompatibilidade de gênios” (1976).

Por esses motivos, podemos somente lamentar que a maior parte da obra de João Bosco esteja atualmente fora de catálogo, impedindo que um novo público a conheça melhor, a não ser por meio de alguns discos ao vivo e coletâneas, que não abrangem toda a riqueza desse artista. Dessa forma, o lançamento do novo disco se tornar algo mais do que essencial.

O site oficial de João Bosco é um bom meio de abordar o artista, embora lamentavelmente não tenha ainda sido atualizado com o novo disco http://www.joaobosco.com.br

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Eventos Culturais 2

Voltando ao assunto do Ano da França no Brasil, não posso deixar de parabenizar a iniciativa de descentralização da programação, que passa por muitos estados e cidades e não se limita ao clássico eixo cultural Rio de Janeiro–São Paulo.

Assim, o estado de Minas Gerais vai receber vários eventos culturais até o mês de novembro que vale a pena conferir:

A cidade de Juiz de Fora está recebendo até o dia 28 de julho o 20º Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga. Entre outros, no dia 24, na Igreja do Rosário, a apresentação do conjunto Le Poème Harmonique, com obras de Michel R. de Lalande e Marc Antoine Charpentier; e no dia 25 de julho, no Teatro Pró-Arte, o Grupo Lune et Soleil, composto por músicos brasileiros e franceses de formação erudita e jazz, que interpretará músicas do cinema francês, de Michel Legrand e Vladimir Cosma, e obras de Gershwin.

(Le poème Harmonique)

Juiz de Fora também receberá, de 3 a 8 de agosto, apresentações de rua, como a Compagnie La Truc / Cyril Hernandez, e em novembro a turnê Déclic – Minifestival de Música de Câmara Francesa.

Vários eventos vão acontecer ainda em Minas Gerais, principalmente nas cidades de Belo Horizonte e Ouro Preto.

Entre os outros estados contemplados nas comemorações, vale destacar Bahia, Pernambuco, Ceara e Amazonas, no Norte e Nordeste, e estados mais acostumados a receber eventos internacionais, como Paraná e Rio Grande do Sul, e o Distrito Federal.

Assim, de maio a outubro deste ano, Michel Legrand irá se apresentar com Sinfônicas Brasileiras em São Paulo, Ribeirão Preto (SP), Salvador (BA), Recife (PE), Belém (PA), Cuiabá (MT), Belo Horizonte (MG) e Vitória (ES).

Além de eventos culturais, o Ano da França promove encontros temáticos, vinculados a assuntos que dizem respeito a tecnologia, profissionalização, ciências, etc. Assim, vale destacar o I Fórum Franco-Brasileiro, "Ciência e Sociedade - Biodiversidade, Saúde, Desenvolvimento Sustentável Para Todos", que acontecerá em Macapá (Amapá), de 16 a 23 de outubro.

Por fim, o músico Edgard Scandurra e o grupo Les Provocateurs estão fazendo uma série de apresentações no Sesc Paulista, em que interpretam músicas de Serge Gainsbourg, simpática iniciativa que merece ser destacada.

Quem quiser acompanhar essa formidável profusão de encontros entre os dois países pode encontrar mais detalhes sobre datas, localizações e eventos no site http://anodafrancanobrasil.cultura.gov.br/ do Ministério da Cultura, que oferece um sistema de busca por tema, mês e estado.

A programação do Festival Internacional de Música Colonial e Música Antiga de Juiz de Fora se encontra no site http://www.promusica.org.br

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Eventos Culturais

O Ano da França no Brasil oferece várias oportunidades interessantes e lúdicas de melhor conhecer a cultura francesa. Assim, duas exposições chamaram mais especialmente minha atenção:

O Museu da Língua Portuguesa apresenta até o dia 13 de setembro a mostra O Francês no Brasil em Todos os Sentidos, em que são destacados os pontos de encontro entre os dois idiomas, não somente na literatura, mas também em várias áreas, como a moda, a culinária, a música ou a dança. Embora, a meu ver, um tanto sucinta demais, a mostra tem a vantagem de ser bastante didática e interativa, despertando o interesse dos visitantes. Além do mais, o Museu da Língua Portuguesa é um maravilhoso espaço cultural em plena Estação da Luz, dentro do ambicioso projeto de renovação do centro de São Paulo que, por si só, sempre merece ser lembrado.

O Instituto Tomie Ohtake, por sua vez, recebe até o dia 7 de setembro 84 obras de Jean Dubuffet (1901-1985), entre pinturas, esculturas, desenhos e litografias. Dubuffet foi um artista muito prolífico, cuja obra, que apresenta várias fases, é constituída por milhares de criações realizadas entre 1942 e 1985.

Considerado como um dos fundadores do Art Brut, termo inventado por ele, Dubuffet é mais conhecido pela fase intitulada ciclo Hourloupe, entre 1962 e 1974, caracterizada por traços em forma de quebra-cabeça ou rabiscos sobre fundo branco com espaços preenchidos por cores. Realizado inicialmente no formato de desenhos e pinturas, o ciclo Hourloupe ganha novas dimensões a partir do fim dos anos 1960, com a realização de esculturas e baixos-relevos arquitetônicos, e a utilização de novos materiais.

Conhecido também pelas surpreendentes pinturas e os retratos inspirados em desenhos feitos por crianças e doentes mentais, Dubuffet sempre foi atraído pela experimentação, a inovação e a audácia, oscilando entre figuração e abstração, em que a espontaneidade reina.

Para maiores informações sobre as duas exposições:

http://www.estacaodaluz.org.br/

http://www.institutotomieohtake.org.br/programacao/exposicoes/jean/jean.html

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Play it again, Sam – Tom Waits – Foreign Affairs

A carreira de Tom Waits deslanchou internacionalmente no começo dos anos 1980 com a trilha do filme de Francis Ford Coppola O fundo do coração (1982). Foi justamente nessa época que o artista mudou de gravadora, partiu para trabalhos bastante experimentais, como Swordfishtrombones (1983) ou Rain Dogs (1985), com arranjos em que o uso de percussões e sopros aliados à rouquidão tão específica da voz de Waits favorecia uma construção musical bastante brechtiana.

O disco Foreign Affairs é de 1977, portanto anterior a essas mudanças e talvez menos conhecido do grande público. Trata-se do 5º disco da carreira do compositor e talvez seja o trabalho em que Waits mais se aproxima do blues e do jazz.

Além do quinteto composto por Tom Waits: piano e vocais, Jim Hughart: baixo, Shelly Manne: bateria, Frank Vicari: saxofone tenor, Jack Sheldon: trompete, o disco também conta com a participação do clarinetista Gene Cipriano na faixa "Potter's field". Os incríveis arranjos de cordas de Bob Alcivar (que trabalhou com os Beach Boys, The Association, Sergio Mendes, Jack Jones, entre outros) criam uma atmosfera musical que faz com que esse disco lembre por vezes o clima típico dos filmes noir dos anos 1940 e 1950. A emocionante balada bluesy “Muriel” compete com a efusão verbal de “Potter’s field”, sem dúvida a faixa mais jazzística do disco, junto com o medley "Jack & Neal/California, here I come", cujo clima remete ao de filmes como Os assassinos (The Killers – Robert Siodmak, 1950), O segredo das joias (Asphalt Jungle – John Houston, 1950), ou ainda Ascensor para o cadafalso (Ascenseur pour l’échafaud – Louis Malle, 1957).

O disco traz também a deliciosa canção “I never talk to strangers”, com a brilhante participação de Bete Midler em um bem-humorado dueto com Waits.


Em 1978, Tom Waits produziu ainda Blue Valentine, que, de certa forma, é o irmão gêmeo de Foreign Affairs, apesar de ser mais elétrico e menos orquestral. Os dois discos representam bem o estilo do artista nessa primeira fase da carreira, que encontrará sua quinta-essência alguns anos depois, no disco One from the Heart.

Por fim, vale notar a ótima foto em preto-e-branco que ilustra a capa do disco, cujo autor é George Hurrel, fotógrafo bem conhecido pelos retratos que fez de artistas de Hollywood. A mulher que abraça Waits na foto é a cantora Ricky Lee Jones, namorada do artista na época.

Para mais informações sobre Tom Waits, recomendo o site
http://www.tomwaitslibrary.com

domingo, 5 de julho de 2009

Daniel ou Natanael?

(Van Gogh, Natureza-morta com frutas - 1887)

Dois textos publicados durante esta semana na Folha de SP chamaram minha atenção por serem convergentes, embora a priori tratassem de temas diferentes.

No dia 29 de junho, Álvaro Pereira Júnior dedicou sua coluna Escuta Aqui a Michael Jackson, destacando que com a morte do artista acaba uma época que não tem volta. “Foi o cara que vendeu dezenas de milhões de discos, que vivia como marajá, pendurado na gravadora, que gastava zilhões para fazer videoclipes.” E cita a matéria publicada por Jon Pareles no New York Times, em que o crítico analisou que Jackson era um paradoxo, considerado prodígio enquanto criança, e infantilizado uma vez adulto.

Por sua vez, João Pereira Coutinho publicou no dia 30 de junho uma crônica muito bem-humorada, intitulada Os normalopatas, em que declara que, ao ler o relato da última reunião da American Psychiatric Association sobre as alterações que devem ser feitas no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder, percebeu que sofre de boa parte das novas doenças mentais que os cientistas querem acrescentar à lista já existente. Assim, entre compulsão por comida, vício em internet ou e-mail, compulsão por compras, preconceitos e fúrias incontroladas, o colunista assustou-se ao perceber que poderia se encaixar no perfil do perfeito demente.

Ao criar um paralelo, talvez audacioso, entre os dois jornalistas, vejo que, de fato, ambos mostram que saímos definitivamente de uma época para entrar em outra. Não há dúvida que Jackson, assim como muitos outros artistas, simbolizou uma época em que criatividade rimava com audácia. Havia algo saudável em reconhecer a impertinência artística e comportamental, e o dinheiro era um combustível necessário à manifestação dessa ousadia.

Os tempos agora são outros, e os artistas mais conceituados ou se tornam verdadeiros pastores pregando a Palavra divina da boa consciência universal, como Bono ou Sting, ou marionetes sem alma oriundas de vagos “Clubes do Mickey”. Aliás, Britney Spears, por sua repentina e surpreendente "volta à normalidade”, não mereceria ser nomeada “mulher de honra de Stepford”?

Assim, percebemos que, aos poucos, entramos na inquietante época da “normalidade obrigatória” em que (politicamente) correto, saúde, equilíbrio, preservação são palavras de ordem. Superamos Orwell ao nos tornarmos nossos próprios big brothers, em um processo insinuante e assustador de autocontrole, muitas vezes inconsciente, em que assimilamos regras de boa conduta em doses homeopáticas que, porém, podem ser fatais.

Se nosso comportamento, nosso apego, nossa afetividade, por mais banalmente humanos que sejam, correm o risco de ser vistos como desvios, se a ousadia ou a rebeldia artística é percebida como ato de insanidade, podemos perder os sentidos essenciais do gosto e do olfato, para mergulhar na insipidez.

E em vez de conceber a possibilidade de uma ilha como Houellebecq, não seria melhor provarmos os frutos da terra como Gide? Antes sermos o discípulo Natanael do que o clone Daniel!