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quarta-feira, 1 de abril de 2009

Esse tal de rock’n’roll


Ao folhear a revista Monet de abril na esperança de encontrar alguma novidade ou curiosidade que não fosse o anúncio da milésima reprise de histórias de bruxinhos ingleses ou heróis americanos aracnoides, deparei-me com a entrevista do veterano roqueiro Gene Simmons, da não menos veterana banda Kiss.

Surpreendi-me ao ler com certo interesse esse rápido bate-papo, não que eu seja, nem de longe, aficionado desse grupo, cujas músicas com cadência de square dance, guitarras estridentes e letras primárias, tocadas em ambiente de Circo Máximo, com direito à pirotecnia e cuspes de sangue, nunca me empolgaram. Pois bem. No fim da entrevista, Gene Simmons declara que o rock morreu no sentido de que bandas como Nirvana ou Soundgarden, que lideraram o movimento Grunge, apesar de incontestável qualidade musical, teriam afugentado a molecada desse gênero musical ao se apresentarem no palco feito mendigos. Simmons considera que a juventude, na busca de novos heróis, teria migrado para o rap, cujos ídolos seriam, de certa forma, os últimos representantes do imaginário rock feito (nas palavras dele) de “carrões, garotas peitudas a tiracolo e cordões de ouro no pescoço”.


Embora redutora, há de se reconhecer certo valor na análise de Simmons. Não no que diz respeito ao fim do rock em si, mas à sua inevitável evolução e, consequentemente, às mudanças relativas a seus valores, seu imaginário e seu público.


É incontestável que os clipes de rap ou hip-hop apresentados por canais musicais como MTV utilizam, de forma quase sistemática, elementos como carros esportivos ou limusines, garotas com formas mais do que vantajosas, mansões, joias, festas, bebidas, drogas em uma duvidosa luxúria. Cantores de rap e hip-hop gostam de exibir músculos, relógios, dinheiro ou qualquer outro artefato que possa lhes dar certo estatuto social de novos ricos deslumbrados, como no clipe de 50 Cent "Window Shopper http://www.youtube.com/watch?v=74nylouvtYc, por exemplo, inclusive e principalmente se esse estatuto se prevalecer de amizades com a bandidagem (ver nesse sentido o clipe "Go DJ" de Lil Wayne http://www.youtube.com/watch?v=u3dIP1jnu4Q). As cantoras, por sua vez, são provocantes e oferecidas, para não dizer devassas, e ostentam igualmente joias, roupas de grife e carros esportivos.

O rock, por outro lado, tende a mostrar uma face mais respeitável e comportada, e não é de surpreender que as bandas mais conceituadas de hoje, tanto pelo público quanto pela crítica especializada, como Radiohead ou TV On The Radio, estejam mais preocupadas com temáticas vinculadas aos direitos humanos ou ao aquecimento global do que com o esbanjamento de riquezas e atributos.

Ora, se voltarmos à essência do imaginário que o rock representou durante várias décadas, desde os requebros eróticos de Elvis até a trajetória trágica de Kurt Cobain, passando pelas viagens “iniciatórias” dos Beach Boys ou dos Beatles, devemos reconhecer que essa vertente da música se espelhou em revoluções sociais, sexo, drogas, bebidas e muito dinheiro.


Mas parece que estou falando de outros tempos, narrando fatos históricos que não condizem mais com nossa realidade. Será isso mesmo? O rock e seu imaginário são fatos históricos a serem compilados em enciclopédias e visitados em museus ou apenas houve um deslocamento de valores e comportamentos de uma corrente musical para a outra?

A meu ver, houve uma recuperação, pela turma do rap e hip-hop, de um folclore que não pertence obrigatoriamente ao rock ou a qualquer outra corrente musical, mas que diz respeito à idade dessas correntes. Ou seja, o imaginário vinculado à aquisição inebriante de certo poder representado por bens materiais, sexo, drogas ou qualquer comportamento que seja a manifestação simbólica e provocadora de insubordinação em relação a normas preestabelecidas e por essência restritivas é apenas uma fase evolutiva da manifestação artística.

Afinal, podemos ver semelhanças muito claras de comportamentos entre a representação do imaginário rock e o do rap.

Por exemplo, como podemos julgar com desdém a representação das mulheres nos clipes de rap atuais e não lembrar que há quase 30 anos os Rolling Stones ilustravam a música “She was hot” http://www.youtube.com/watch?v=GwRLy_nD7mg com uma garota que cuspia fogo pelo traseiro? Nada mais machista! Ademais, esse clipe é em si uma síntese de todos os elementos simbólicos dos clipes de rap atuais, como mansão com decoração cafona, bebidas, fumo e sexo. Aliás, na mesma época, garotas peitudas e pouco vestidas rebolavam à vontade nos clipes de bandas de rock como Van Halen. No encarte do disco Jazz, o Queen fez a apologia de garotas de bumbuns grandes andando nuas de bicicleta (que bom gosto!), enquanto Elton John ostentava sem nenhum pudor propriedades, roupas e joias, como no clipe da música "I Still Standing" http://www.youtube.com/watch?v=EpSwO0aJKHA.

Da mesma forma, como podemos julgar negativamente a perdição de uma Amy ou Britney e não lembrar as loucuras de um Keith Moon, as bizarrices de um Syd Barrett, as provocações de um David Bowie ou de um Johnny Rotten? E como criticar a juventude que se identifica com Tupac Shakur, símbolo e mártir do gangsta rap, se, em outros tempos, sentimos também alguma identificação com Syd Vicious, símbolo e, de certa forma, mártir do movimento Punk?

E não há como limitar essa análise ao rock e o rap, já que, como eu disse antes, trata-se de manifestações comportamentais que dependem da idade da própria corrente musical, dos seus representantes e do seu público. Assim, vale a pena lembrar, por exemplo, que em outubro de 1955 o público do Olympia, em Paris, quebrou as poltronas ao enlouquecer com o suingue do saxofonista americano Sidney Bechet. Que Billie Holiday se entregou fatalmente às drogas bem antes de Hendrix saber tocar os primeiros acordes de guitarra. Já em 1877, a ópera Sansão e Dalila, de Saint-Saens, por ser considerada provocadora (e, portanto, ofensiva), foi vaiada pelo público, assim como o foi Villa-Lobos na Semana de Arte Moderna de 1922, no Municipal de São Paulo. E quem não se lembra da rebeldia protopunk de Mozart, admiravelmente retratada por Milos Forman em Amadeus?

Sendo assim, não há porque declarar que o rock morreu. Ele apenas se tornou coisa de gente grande, ou seja, ele atingiu outro patamar dentro da história da música, veste-se agora de outros valores e manifesta novos comportamentos. Isso se mostra claramente na escolha unânime do Radiohead como melhor banda de rock atual. Aliás, disserta-se muito sobre a verdadeira natureza da música desse grupo cujas influências musicais são múltiplas e que, por sua vez, influencia também outros artistas, entre os quais músicos de jazz como Brad Mehldau. E ao ver o público do show do Radiohead, percebemos verdadeiro êxtase, quase místico ou religioso, mas também uma grande atenção, quase reverencial, que faz com que essa audiência se aproxime mais do que poderíamos esperar de um público de jazz ou de música clássica.


E enquanto eu estava elaborando a presente matéria, li com muito interesse a crônica de Álvaro Pereira Júnior no caderno Folhateen da Folha de SP de 30 de março, em que ele fala de duas revistas dedicadas à música, a americana Blender, que está morrendo, e a inglesa Word, que vê seu público crescer significativamente. O mais interessante é que a revista Word é destinada a um público acima de 35 anos de idade, enquanto a outra é mais dirigida ao público da faixa de 18 a 34 anos. Além da conclusão mordaz sobre “revistas de moleques e de tiozinhos”, o que me chamou a atenção nesse artigo é o comentário do jornalista sobre os motivos que o levam a gostar muito da revista Word: “São caras mais velhos que acompanham bem de perto tudo o que acontece, sem embarcar cegamente no último hype. Atualizados e adultos ao mesmo tempo. Minha praia”.

Esse comentário, além de ir ao encontro do artigo que escrevi sobre ser ou não ser antenado e a necessidade compulsiva de armazenar informação, http://metreno.blogspot.com/2009/03/divina-comedia-ignorantus-ignoranta.html confirma plenamente o que acabei de desenvolver, ou seja, que o rock está seguindo naturalmente um processo de amadurecimento no qual redefine valores e comportamentos que vão ao encontro da evolução igualmente natural de seu público.

terça-feira, 24 de março de 2009

Play it again, Sam - Lodger - David Bowie

Nos dias de hoje, em que o virtual se tornou algo concreto, esquecemos que as sensações, na sua essência, quase sempre precisam do suporte físico, do objeto, do palpável. Assim, podemos louvar os tocadores de mp3, mp4 ou outra nova tecnologia que aparecer, por permitirem ouvir música em qualquer lugar, a qualquer momento. Porém, duvido muito que possamos sentir mais prazer ao tentar decifrar na telinha do iPod o nome da banda e o título da música que pegamos ontem em um site de compartilhamento de arquivos do que ao escutar Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band ou ainda The Beggar's Banquet com a capa do disco na mão, acompanhando as letras das canções e olhando para a cara do Paul, do John ou do Mick.

Daí a idéia que tive de compartilhar neste espaço virtual as emoções (ainda palpáveis!) que senti ao descobrir certos discos na época em que ainda eram carinhosamente chamados de “bolachas”. Alguns podem ter caído no esquecimento, porque têm a cara de certa época, ou exatamente porque não tinham a cara daquele momento. Outros podem não ser os melhores, ou os mais conceituados de tal ou tal artista, mas trazem à minha mente lembranças prazerosas. São tesouros que merecem ser resgatados. É mel para os ouvidos, é licor para o coração. Por isso, espero que esta matéria provoque em vocês a vontade de descobri-los, mesmo que seja através de download, em mp3, para tocar no computador...


Lançado em maio de 1979, Lodger é até hoje considerado o 3º opus da trilogia berlinense de David Bowie, cujos outros títulos são Low (1977) e Heroes (1978). Trata-se de certa forma de um equívoco, já que esse disco foi gravado em Montreux (Suíça) e em Nova York – e não em Berlim –, e não reproduz o formato e o clima dos dois trabalhos precedentes, que se caracterizavam pela divisão entre faixas (e lados do vinil) cantadas e instrumentais, e a influência de artistas como Kraftwerk e Neu!

Entretanto, por ter sido Lodger igualmente produzido por Tony Visconti e Brian Eno, e conter construções musicais que remetem aos trabalhos anteriores, logo houve comparações e nem sempre a favor deste disco, que segundo certos críticos seria o mais fraco dos três. Discordo dessa opinião, já que a meu ver trata-se de uma obra bem diferente e única em vários aspectos.

Primeiro, há de se notar uma nova vertente de influências percussivas e étnicas, não muito comuns na obra de Bowie, como em “African Night Flight” (em que Brian Eno programa os teclados em sequências – loops – para simular ruídos noturnos da selva), ou ainda “Yassassin” (“longa vida” em turco).
Depois, o tema da viagem, do deslocamento, da falta de residência fixa é constante neste disco, por se encontrar não apenas no próprio título (“locatário”), mas também na capa – em que Bowie aparece em uma foto em formato de cartão-postal endereçado à própria gravadora, com o corpo contorcido e ferido, em um banheiro de hotel – e igualmente no tema e nos arranjos de títulos como “Fantastic Voyage” e “Move On”.


De fato, a utilização de loops nos teclados, como eu dizia mais acima, constitui uma base constante na construção das músicas de Lodger, em que a repetição sequencial acaba por criar uma base rítmica percussiva quase hipnótica, como, por exemplo, nas faixas “Repetition” ou “Red Money”. Nesta última, há de se notar a participação do guitarrista Reeves Gabrels, músico preponderante no desenvolvimento do trabalho de Bowie nos anos 1990. Por sua vez, Brian Eno seguiria essas experimentações logo depois em parcerias com David Byrne.

Outras faixas, finalmente, têm inspiração mais rock ou funky, como “Boys Keep Swinging”, “Red Sails” ou “D.J.”, com a presença marcante de Carlos Alomar ou Adrian Belew, e são premissas do Bowie dos anos 1980, em que ele se tornaria um astro mundialmente popular com músicas como “Ashes to Ashes”, “Fashion” ou ainda “Let’s Dance”.

Por esses motivos, penso que Lodger é sem dúvida um disco importante na obra de David Bowie, tanto por sua riqueza musical quanto pelo fato de se situar no cruzamento entre o experimentalismo dos anos 1970 e a consagração dos anos 1980, e por desenhar os primeiros contornos de Scary Monsters (1980), uma das obras pioneiras e fundamentais do rock dessa década.



Recomendo também o excelente livro de Loïc Picaud - David Bowie et le rock dandy - Hors Collection Editions: http://www.evene.fr/livres/livre/loic-picaud-david-bowie-et-le-rock-dandy-25541.php, ou ainda a biografia muito completa e documentada de Jérôme Soligny http://www.evene.fr/livres/livre/jerome-soligny-david-bowie-9337.php.

Finalmente, acabou de ser lançada uma versão remix da faixa "D.J." pelo DJ Benny Benassi e que pode ser ouvida no site de David Bowie: http://davidbowie.com/news/index.php?id=20090309/.