Um carro descontrolado anda de ré, causando pânico em ruas de uma cidade e atropelando pedestres. Nesse carro se encontra um homem com o rosto escondido por uma máscara, as mãos atadas, a boca vedada por uma fita. A tensão aumenta à medida que o carro vai causando mais estragos e que o homem tenta se soltar, sem sucesso.
Os participantes de uma espécie de prova devem percorrer as ruas de uma cidade com as mãos atadas e os olhos vedados, e tentam cegamente escapar de obstáculos (postes, árvores, carros, etc.). Os perdedores (os que caírem ao bater nesses obstáculos) são impiedosamente filmados pelos organizadores do evento por meio de aparelhos celulares.
Uma mulher tenta impedir que seu namorado a deixe. Como suas palavras não bastam, ela o empurra escada abaixo. Depois, quebra a perna dele com um taco de golfe e o joga no chão, na cadeira de rodas em que ele está amarrado. No final, como ele tenta de novo escapar, ela o persegue com um machado.
Estas cenas arrepiantes não são fragmentos de algum pesadelo que eu tivesse tido, mas resumos de videoclipes de artistas tão conceituados quanto Depeche Mode, Pink ou Prodigy. São idênticos na essência, ao mostrar o lado mais sádico do ser humano. Entretanto, não creio que o objetivo desses vídeos seja levar os espectadores a refletirem sobre os meios e os fins do comportamento dos homens. Trata-se apenas de ilustrar músicas com imagens suficientemente “diferentes” para que elas possam se destacar no jorro permanente e estrondoso de informações que a mídia, principalmente a televisão, proporciona.
E não há dúvida nenhuma de que, para os marqueteiros das gravadoras, os artistas e também os profissionais das mídias que as divulgam, estas imagens têm potencial comercial incontestável por se adequarem ao gosto do público atual, motivo pelo qual este tipo de narração é vinculado a artistas de fama e sucesso internacional.
Não pretendo erguer o estandarte do puritanismo ou do moralismo para condenar essas imagens e sua divulgação, mas há que se perguntar se esta forma de representação da violência (e, intrinsecamente, nossa aceitação passiva desta representação) não tem algo de bastante assustador.
A meu ver, estas imagens são infinitamente mais chocantes do que as de filmes maciçamente reprisados pelos canais de TV paga, repletos de vampiros sanguinários, mortos-vivos famintos, sobreviventes mutantes enlouquecidos e outras espécies de monstros peludos, dentuços e selvagens.
Simplesmente pelo fato de estes filmes não terem a mínima camada de verossimilhança, mantém-se certa distância entre o espectador e as cenas mostradas, dentro de um processo ilusório em que o susto constitui um elemento de diversão.
No caso desses clipes, este distanciamento não existe mais, e isso torna o que vemos profundamente chocante. Deixamos o universo dos monstros para alcançar o dos sádicos. E a cada sádico corresponde um masoquista, desta vez o espectador que se deixar fisgar por essas imagens.
E os feirantes lucram muito e cada vez mais com esse tipo de produto, sem que haja a mínima preocupação quanto às consequências das informações difundidas. Assim, se não bastassem clipes no gênero dos citados, a programação de certos canais de TV a cabo apresenta no prime time (vulgo horário nobre – quanta ironia!) filmes tão assustadores quanto Jogos mortais ou O albergue, que são meramente filmes explícitos de torturas físicas e morais.
E se os monstros fazem parte do imaginário coletivo porque remetem a lendas e contos que, sob diferentes formas, existem em todas as culturas, os sádicos fazem parte de nosso cotidiano, em que, diretamente ou indiretamente, sofremos ou acompanhamos pela mídia cenas de violência moral e física, e enfrentamos medos e frustrações.
Porém, não é por meio da “estetização” da violência sádica que a subjugaremos. Pelo contrário, temo que inconscientemente tenhamos alcançado o patamar da banalização do sadismo, ao torná-lo objeto de recreio.
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