sexta-feira, 8 de maio de 2009

Era uma vez a revolução


(A demolição da Bastilha - estampa do século 18 - Museu Carnavalet - Paris)

Épocas de crise econômica, com seu rastro de consequências nefastas, entre as quais o desemprego, a redução do poder aquisitivo, a pobreza e inúmeras falências de empresas e bancos, sempre levam ao questionamento dos sistemas econômicos, políticos e sociais existentes e consequentemente ao ressurgimento de reflexões sobre o fundamento e a finalidade das revoluções.
Dessa forma, e mesmo que sem nexo direto entre si, não é de surpreender que dois textos tenham sido publicados a poucos dias de intervalo sobre o tema da revolução, ambos muito interessantes.

O psicanalista Contardo Calligaris acaba de publicar na Folha de SP de 7 de maio o ensaio Ahmadinejad e Foucault, em que, ao analisar a decisão de cancelamento da visita do presidente do Irã ao Brasil, questiona a análise positiva que Foucault fez da revolução iraniana e, intrinsecamente, nosso almejo, mesmo que inconsciente, de uma esperança coletiva vinculada a movimentos revolucionários [
http://contardocalligaris.blogspot.com/2009/05/ahmadinejad-e-foucault.html ].
Por sua vez, Serge Halimi, escritor e jornalista, ao constatar que “a crise do capitalismo enfraquece as oligarquias que estão no poder”, publicou no Monde Diplomatique de maio um artigo bem documentado e intitulado Éloge des révolutions, em que faz um apanhado das revoluções consideradas historicamente importantes ao analisar nossa atualidade e nossa apatia diante de fatos que poderiam levar a desejos revolucionários que mudassem as sociedades [
http://www.monde-diplomatique.fr/2009/05/HALIMI/17050 ].
Apesar de as análises serem bastante diferentes, há certamente um paralelo a fazer entre o ponto de vista do psicanalista e o do escritor.

Em primeiro lugar, Calligaris declara que não consegue “ponderar os problemas do mundo sem pensar no individual”, enquanto Halimi logo analisa a evolução histórica do pensamento revolucionário em que, após o apogeu dos Estados totalitários (União Soviética e China), as democracias, principalmente nos modelos anglo-saxões, recuperaram a idéia de mudança de sociedade para construir um modelo revolucionário mais político do que social, baseado na lei do mercado.

Apesar de terem focos diferentes, os dois autores referem-se ao Contrato social de Rousseau ao reconhecer que há inevitavelmente no ser humano um desejo de coletividade. “Algo [...] que nos permita renunciar por um tempo a nossas responsabilidades singulares”, segundo Calligaris, enquanto para Halimi os movimentos sociais são antes de tudo defensivos porque “pretendem restabelecer um contrato social que julgam desrespeitado pelos patrões, os latifundiários, os banqueiros, os políticos”.

O que diferencia Calligaris de Halimi, e justamente por causa disso os torna tão essencialmente ligados e interessantes no antagonismo, é a análise da violência que toma conta dos movimentos revolucionários e que leva à eterna pergunta de saber se os meios justificam o fim.

Calligaris, ao citar a Revolução Iraniana, constata que “a ‘vontade geral’ se constrói sempre sobre os cadáveres dos que não concordam”. Refere-se mais explicitamente à opressão em sociedades como, por exemplo, a dos talibãs no Afeganistão, em que há uma mulher que “no porão, ainda está esperando para saber a que horas será apedrejada”.

Halimi, ao reconhecer a violência dos movimentos revolucionários, replica – a quem se escandaliza com os massacres da Revolução Francesa ou Russa, ou dos oficiais do exército de Chang Kai-chek na Revolução Chinesa – que também não se pode ocultar a fome sofrida pelo povo francês durante o Antigo Regime enquanto havia bailes na corte, em Versalhes; o massacre de manifestantes pacifistas em São Petersburgo em janeiro de 1905 pelos soldados de Nicolau II; e os revolucionários chineses queimados vivos nas caldeiras de locomotivas em 1927.

Entretanto, não se trata de um impasse, porque esse antagonismo vem essencialmente de diferenças prismáticas, naturalmente decorrentes do ponto de visto de cada autor.

Calligaris, com o olhar de psicanalista, declara que “o legado irrenunciável da psicanálise é sobretudo a necessidade de pensar nas pessoas uma por uma, sem ilusões e entusiasmos coletivos”. Halimi considera que “para quem a despreza, o erro principal da revolução não é a violência, fenômeno tristemente banal na história, mas, algo que acontece muito raramente, a mudança radical da ordem preestabelecida que acontece por meio de uma guerra entre possuidores e proletários”.

Entretanto, não vejo na reflexão de Calligaris uma negação da necessidade do coletivo, da mesma forma que não há nos comentários de Halimi nenhum rastro de sublimação de massacres politicamente justificáveis. Ambos defendem pontos de vista válidos.

Sinto nesses textos a necessidade de resgatar algo profundo do ser que não se encontra em nenhum modelo de sociedade atual e cuja falta se faz ainda mais crítica diante da crise que está abalando as principais economias mundiais. Trata-se de uma identidade do ser que está cada vez mais apagada e que precisa brilhar de novo no modo individual como no coletivo. Daí a necessidade de repensar a sociedade com ela existe hoje.

Tempos de crise mundial são igualmente tempos de crise pessoal. Tomara que desses milhares de crises individuais nasça alguma mudança coletiva, uma revolução que resgate também o valor do indivíduo dentro da coletividade. E de preferência, sem violência...

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