quarta-feira, 25 de março de 2009

A divina comédia - Ignorantus, ignoranta, ignorantum!


(cena de O doente imaginário de Molière)

Ser ou não ser antenado? Eterno dilema. Estar por dentro do babado, do hype. Grande preocupação para quem busca espelhar-se em reflexos alheios, em uma vã procura pela própria identidade.

Frequentemente, deparo-me com matérias, comentários, resenhas, críticas de pessoas que se pretendem antenadas e que usam isso como se fosse sinônimo de certo estatuto. Como se o fato de ter ouvido falar, ter visto, ter lido fosse uma alavanca social, desvinculada de qualquer apreciação do valor do conteúdo. Como se o conhecimento se medisse por volume, tamanho, e não qualidade. Como se a informação fosse uma comida pronta vendida por quilo.

De fato, há de se reconhecer que os novos meios de comunicação e principalmente a internet, ao acelerar e ampliar a propagação das notícias, são ferramentas válidas e essenciais para que a informação atinja um número cada vez maior de pessoas.

Entretanto, estamos de novo falando de velocidade, tamanho, números, e não de qualidade. Os blogs (entre os quais este aqui) são outra fonte de comunicação, porém nem sempre bem utilizada seja por seus criadores ou seus seguidores.

É insuperável o fato de que, em uma época em que a pressa prima sobre a paciência e a falta de tempo vem constantemente abocanhar pedacinhos de nossa predisposição para o ócio, deparamo-nos com uma emergência informativa que nem sempre sabemos enfrentar, organizar ou assimilar.

Mas como essa emergência se tornou a pulsação que parece nos mover, nos levar adiante, acatamos a tudo e qualquer coisa para não parecermos incultos ou defasados. Há uma síndrome de pânico, um temor de parecer ou ser dedado como ignaro.

Ignorantus, ignoranta, ignorantum!, exclama Toinette em referência à hipocondria desatinada de Argan no Doente imaginário de Molière. Vemos, nessa ironia, que o pavor da ignorância não vem de hoje, sempre fez parte dos medos íntimos do homem, sempre foi motivo de desprezo, zombaria e rejeição social. Todavia, tornou-se certamente ainda mais relevante à medida que a cobrança do conhecimento veio se fortalecendo junto à aparição de novos meios de divulgação da informação, cada vez mais velozes, poderosos e eficientes.

E há realmente que louvar essas novas tecnologias e reconhecer que são até requintes cujos recursos mal sabemos utilizar. Há também que exaltar os tempos atuais no que oferecem em termos de informação, conhecimento, compartilhamento, formas diversificadas e ricas de expressão.

Mas ao mesmo tempo devemos nos redimensionar diante da imensidão informativa, nos situar, e reconhecer nosso próprio limite. Não de maneira submissa, mas de forma justa e desprendida. Ao dimensionarmos nossos limites, ao nos enxergarmos como seres que têm fim, podemos finalmente aprender a respeitar o incomensurável.

E ao respeitar o que é infinito, conseguiremos redirecionar nossa busca da informação, primando pela qualidade e pelo aprofundamento no que nos interessa ou nos dá prazer, em vez de engolir avidamente, de uma só bocada, iguarias ou dejetos, com um frenesi cego e insaciável, em nome de um suposto estatuto, de um reconhecimento social ou uma identificação tribal.

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