quinta-feira, 4 de junho de 2009

À procura de M. Gainsbourg

Na sua última visita ao Brasil, Charles Aznavour teria declarado a um jornal brasileiro que a chanson francesa é importante principalmente graças às letras, e não à música. A meu ver, o artista não deixa de ter razão e de ser omisso ao mesmo tempo. Há de fato grandes letristas, mas também grandes compositores de música popular francesa. Sem querer comparar com a música popular brasileira, que, a meu ver, em ambos os quesitos é inigualável, a canção francesa deixou suas pegadas na música popular internacional por meio de canções como “La mer”, “La vie en rose”, “Les feuilles mortes”, “Et maintenant” e, claro, “Je t’aime moi non plus” de Serge Gainsbourg.

Gainsbourg certamente foi o maior autor de música popular da França dos últimos 40 anos, e sua influência ultrapassou as fronteiras não somente do país, mas também da francofonia, para alcançar verdadeira dimensão planetária.

O Sesc Paulista apresenta uma exposição sobre o artista até o dia 7 de setembro, dentro das comemorações do Ano da França no Brasil, e acredito que, para quem ainda não o conhece, seja uma ótima maneira de ter uma primeira abordagem com esse artista complexo e múltiplo.

http://www.sescsp.org.br/

Gainsbourg nasceu em 1928, filho de judeus russos que migraram para a França na época da Revolução Bolchevique de 1917. Nos anos 1950, começou por se dedicar à pintura (sua grande paixão), para em seguida iniciar uma carreira de cantor crooner e pianista de cassino e de clubes noturnos. A cantora Michèle Arnaud, da qual foi músico no fim dos anos 1950, ao descobrir suas composições, incita-o a gravar os primeiros discos, bastante influenciados pelo jazz pós-guerra, e que fazem sucesso junto a um público restrito.

Entretanto, a inegável qualidade dessas canções faz com que Gainsbourg comece a compor para vários artistas da época, principalmente mulheres, entre as quais Juliette Gréco e Petula Clark. O sucesso mais amplo chega, enfim, com as canções “Comment te dire adieu”, cantada por Françoise Hardy, e “Les sucettes”, com France Gall, que são as premissas do encontro de Gainsbourg com o universo pop.

Em 1967, ele tem um romance com Brigitte Bardot, para a qual compõe algumas de suas mais famosas canções, como “Initials BB”, “Bonnie and Clyde” e “Harley Davidson”. Em 1968, ele encontra Jane Birkin, com quem ficará até 1978. Juntos eles gravam "Je t’aime moi non plus", sucesso planetário, composto primeiramente para Bardot. A atriz chegou a gravar a canção, mas se opôs ao lançamento comercial até 1986.


(Gainsbourg com Jane Birkin)

A partir desse momento, Gainsbourg alcança a fase áurea de sua carreira musical com o lançamento do disco mítico L’Histoire de Melody Nelson (1971), seguido por Vu de l’Extérieur (1973), Rock aroud the Bunker (1975) e L’Homme à la Tête de Chou (1976). Esses discos, se fizeram pouco sucesso de vendas na época, são hoje considerados obras essenciais não somente para a história da canção francesa como pela influência que têm junto a muitos artistas, entre os quais Beck, Moby, Placebo, Nick Cave ou Massive Attack, e outros.

Paralelamente, Gainsbourg se torna cada vez mais dependente do cigarro e do álcool – sofre um infarto em 1973 – e tem um comportamento altamente provocador que choca a França ‘giscardista’ do fim dos anos 1970. Essa fase da carreira do artista, que seguirá até sua morte, em 1991, tem seu auge com o lançamento do disco Aux Armes et Cœtera (1979), produzido na Jamaica com os músicos de Bob Marley e em que ele grava a Marselhesa em versão reggae, com coro de cantoras jamaicanas no refrão. O disco se torna um grande sucesso comercial, mas Gainsbourg sofre ameaças de extremistas da direita e o próprio exército francês irá até impedir a realização de um show do artista. Nesses últimos anos, Gainsbourg vai criar um alter ego, chamado Gainsbarre, que será o duplo transgressivo do artista, como Dr Jekyll e Mr Hyde, dupla infernal que, aliás, foi musicada por Gainsbourg em uma canção dos anos 1960.

Além do talento de compositor, Gainsbourg mostra toda a sua verve como letrista, com letras altamente complexas, cheias de trocadilhos, duplos sentidos e certa ironia, herdada do escritor Boris Vian, que o influenciou muito. A temática erótica está frequentemente presente nas composições desde os anos 1960 até as últimas obras, como, por exemplo, em “Lemon incest”, que compôs para sua filha Charlotte Gainsbourg em 1985. Gainsbourg compôs também inúmeras trilhas de filmes e foi diretor de quatro longas-metragens e vários clipes. Até o fim da carreira, continuou compondo para outros artistas, como Vanessa Paradis (mulher de Johnny Depp), Alain Chamfort, Alain Bashung, mas também atrizes como Catherine Deneuve e Isabelle Adjani.

Para quem quiser mais informações, existem vários sites sobre o artista, entre os quais recomendo http://gainsbarre.typepad.com/. Alguns discos (importados) podem ser encontrados no Brasil, em lojas como a Fnac, Saraiva ou Livraria Cultura, assim como o CD Monsieur Gainsbourg (em edição nacional), com releituras de canções do artista por Franz Ferdinand, Feist, Kid Loco, Portishead, entre outros. Finalmente, recomendo a leitura do livro Um punhado de gitanes de Sylvie Simmons, publicado em português pela editora Barracuda.

As informações relativas à programação do Ano da França no Brasil estão disponíveis no site do Ministério da Cultura: http://anodafrancanobrasil.cultura.gov.br/

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