sexta-feira, 27 de abril de 2012

O charme discreto da burguesia




O charme discreto da burguesia

A burguesia já foi sinônima de revolução, de mudança de regime e progresso até se tornar a nata, la crème de la crème, que de tão cremosa e bem batida ficou azeda e sem graça. E da mesma forma que se degolaram cabeças de reis, apareceram os degoladores da nova riqueza, falsos eremitas, sucedâneos de Rasputin, desfocados da tela e da época que, na falta de lucidez, chamam a votar 16. Mas isso não passa de um logro pós-trostkista, na falta de estrogonofe consistente. Porque, pelo menos em São Paulo, hoje em dia burguesia não rima com nada, a não ser em alguns logradouros almofadados dos Jardins, uns recantos privilegiados e mofados do cartão de crédito sem anuidade e com milhas, que nasceram herdando uns traslados “ad vitam aeternam” entre Daslu, Miami, Nova York e Paris. Uns resgatados do antigo canal People and Arts, muita alta definição para compensar a falta de cultura. Pois bem, nesse vácuo em que estamos sendo sugados, não há mais bicho-papão da burguesia, o amargo verme do tédio de não saber viver, esse vitriole social tão bem retratado por Balzac ou Zola, já atingiu todas as classes, das mais abastecidas porém ignorantes, às mais espertas porém necessitadas. Todos nós sofremos apagões permanentes, num grande alzheimer coletivo. Somos esquecidos antes de sermos esquecidos. Tudo não passa de uma questão de conjugação. Mesmo assim, não sabemos declinar nosso verbo apesar de entrarmos num declínio. A vida se tornou cada vez mais surrealista, mas o charme discreto da burguesia continua igual.           

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