Ao saber da morte de Michael Jackson, na última quinta-feira, senti uma infinita tristeza, como se eu estivesse perdendo um ente querido.
Porém, o único disco que comprei do artista foi Thriller, obra-prima da música pop lançada em 1982, ainda na época remota das bolachas.
Antes de Thriller, Jackson era um perfeito desconhecido no meu universo musical – descobri e apreciei Off the Wall depois de ouvir Thriller – e a Jackson Family sempre foi um fenômeno tipicamente norte-americano, de pouca repercussão na França.
Depois de Thriller, não prestei tanta atenção à carreira do artista e acabei sabendo dele muito mais pelo freak show que o acompanhou por muitos anos do que por motivos artísticos.
Enfim, como todo mundo, fiquei curioso quando ele anunciou sua volta aos palcos, embora eu tivesse a sensação que essa decisão fosse mais por motivos principalmente financeiros que artísticos, e não esperasse que a fênix renascesse de suas cinzas sob os céus londrinos.
Sendo assim, não havia motivo sequer para tanta tristeza e para explicar o sentimento de perda que a notícia provocou em mim.
Contudo, nos últimos dias percebi que a comoção é geral e que várias pessoas sentiram a mesma emoção que eu, embora elas também não tivessem sido fãs ardorosas do artista.
Aí, lembrei de 1977 e da morte de Elvis Presley. Na época eu era adolescente e mal sabia quem era o "King of Rock'n'Roll". Para mim, tratava-se de um artista meio gordo e com roupas cafonas que se apresentava nos palcos de Las Vegas.
Entretanto, lembro que meus pais ficaram bastante abalados pela notícia, embora em casa não tivesse nenhum disco do cantor, a não ser um antigo 45 rpm de "Hound Dog", comprado por eles havia muito anos.
E depois, lembrei também da tristeza que senti ao saber da morte de John Lennon e de Freddie Mercury, dois artistas muito mais próximos do meu gosto musical do que o próprio Jackson.
Então, é certo que a comoção gerada pela morte de Michael Jackson ultrapassa o sentimento da perda da pessoa em si para alcançar uma dimensão bigger than life, como foi a representação do poder do próprio artista no imaginário coletivo.
Não há dúvida de que procuramos sempre, mesmo que inconscientemente, ultrapassar nossas limitações naturais. Para fazê-lo, escolhemos alguns eleitos que, por terem dons excepcionais ou simplesmente por estarem no lugar certo na época certa, transformamos em ídolos ou super-heróis por meio de cultos que são verdadeiros atos de sublimação fetichista.
Assim Michael Jackson foi eleito o “Rei do Pop”, o artista universal cujo moonwalk virou fenômeno social universal, em que milhares de pessoas se espelharam. E sua influência artística é tão durável que, ainda hoje, o novo ídolo pop internacional, Justin Timberlake, não esconde, na sua música e nos seus passos de dance, em quem ele se espelhou.
E não há também dúvida de que ídolos ou super-heróis não podem morrer, - pelo menos nunca no auge da carreira ou antes do fim do curso "normal" da vida - porque, ao falecerem, quebram o espelho e nos devolvem, da mais cruel maneira possível, à mera condição de seres finitos e limitados. Então, ao chorar a perda que sentimos com a morte deles, choramos de fato nossa própria perda. Por isso tamanha comoção.