Dois textos publicados durante esta semana na Folha de SP chamaram minha atenção por serem convergentes, embora a priori tratassem de temas diferentes.
No dia 29 de junho, Álvaro Pereira Júnior dedicou sua coluna Escuta Aqui a Michael Jackson, destacando que com a morte do artista acaba uma época que não tem volta. “Foi o cara que vendeu dezenas de milhões de discos, que vivia como marajá, pendurado na gravadora, que gastava zilhões para fazer videoclipes.” E cita a matéria publicada por Jon Pareles no New York Times, em que o crítico analisou que Jackson era um paradoxo, considerado prodígio enquanto criança, e infantilizado uma vez adulto.
Por sua vez, João Pereira Coutinho publicou no dia 30 de junho uma crônica muito bem-humorada, intitulada Os normalopatas, em que declara que, ao ler o relato da última reunião da American Psychiatric Association sobre as alterações que devem ser feitas no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder, percebeu que sofre de boa parte das novas doenças mentais que os cientistas querem acrescentar à lista já existente. Assim, entre compulsão por comida, vício em internet ou e-mail, compulsão por compras, preconceitos e fúrias incontroladas, o colunista assustou-se ao perceber que poderia se encaixar no perfil do perfeito demente.
Ao criar um paralelo, talvez audacioso, entre os dois jornalistas, vejo que, de fato, ambos mostram que saímos definitivamente de uma época para entrar em outra. Não há dúvida que Jackson, assim como muitos outros artistas, simbolizou uma época em que criatividade rimava com audácia. Havia algo saudável em reconhecer a impertinência artística e comportamental, e o dinheiro era um combustível necessário à manifestação dessa ousadia.
Os tempos agora são outros, e os artistas mais conceituados ou se tornam verdadeiros pastores pregando a Palavra divina da boa consciência universal, como Bono ou Sting, ou marionetes sem alma oriundas de vagos “Clubes do Mickey”. Aliás, Britney Spears, por sua repentina e surpreendente "volta à normalidade”, não mereceria ser nomeada “mulher de honra de Stepford”?
Assim, percebemos que, aos poucos, entramos na inquietante época da “normalidade obrigatória” em que (politicamente) correto, saúde, equilíbrio, preservação são palavras de ordem. Superamos Orwell ao nos tornarmos nossos próprios big brothers, em um processo insinuante e assustador de autocontrole, muitas vezes inconsciente, em que assimilamos regras de boa conduta em doses homeopáticas que, porém, podem ser fatais.
Se nosso comportamento, nosso apego, nossa afetividade, por mais banalmente humanos que sejam, correm o risco de ser vistos como desvios, se a ousadia ou a rebeldia artística é percebida como ato de insanidade, podemos perder os sentidos essenciais do gosto e do olfato, para mergulhar na insipidez.
E em vez de conceber a possibilidade de uma ilha como Houellebecq, não seria melhor provarmos os frutos da terra como Gide? Antes sermos o discípulo Natanael do que o clone Daniel!
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